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                                                              UMA PEQUENA CIDADE DE MUITAS ALCUNHAS            

                                                                                         Extraído do Jornal EQUIPE - Edição nr. 16 de 11.02.1984

Neste momento  nossos leitores  iniciam uma  viagem pelo  criativo mundo da imaginação, durante a qual, de uma maneira divertida, vão se descobrir    identificando as pessoas e a si mesmos.
Inicialmente, e como se vocês estivessem adentrando no espaço misterioso    de uma selva enigmática.   
Ali se encontram:  Bem-te-vi, Tucano,  Bodinho, Galinha, Gavião, Macaco, Piriá, Pulga, Perereca, Barata, Parrola, Frango, Patão, Canarinho, Jacaré, Gato e Bugiu.

Numa pequena clareira,  vão se deparar com estranhos e delicados objetos: Marreta, Gaiola, Zarcão, Chaveirinho,  Faquinha, Charuto, Palito, Fordinho    e Fuscão.

Fome não haverão de passar. Alguma coisa para comer podem achar: Linguiça, Rapadura, Rosca, Biscoito, Mé de Bêia e Macarrão.

Tipos físicos dos mais expressivos dividirão com vocês intensas emoções: Bigodinho, Saberê, Bundinha, Chinês, Cigano, Meio Quilo, Bolero, Poleiro, Casca, It, Baiano, Brasa, Margoso, PR, Tisgo, Feio, Veneno, Maninho, Véio, Ajutorinho, Espirro e Vovô!

Que surpresa a cada passo!  Bem  logo outros  três integrantes deste cenário especial serão conhecidos: Duca, Bispo e Julião.

Mas, ainda longe do final está o espanto de vocês. Existem os indefinidos, originais e inexplicáveis que virão lhes fazer companhia: Forfé, Bulifé, Rachô, Penca, Pita, Saruba, Tiriça, Codica, Tiloca, Madrugada, Boreska e Pé Véio.

Antes que o passeio termine, antes que vocês regressem deste recanto mágico, legendárias  figuras surgirão para  saudá-los e deixar  em seus corações saudades de histórias antigas: Cascão, Cebolinha, Zé Grandão, Cacique, Pixinguinha, Bareta, Zé da Galera, Bozô e................. Baldarati!

Os leitores evidentemente perceberam que esta é a nossa Ponte, de alegorias e sonhos! Tão sábia para alcunhar seus habitantes, tão farta para dar-lhes, agora e sempre, a certeza do calor humano.


 

                                                             CINEMA EM MONSENHOR PAULO

                                                             Francisco de Paula Belato

 

          O primeiro cinema em Monsenhor Paulo funcionou onde está hoje a casa que pertenceu ao Sr. José Totti, esquina da Rua Cel. Zoroastro de Oliveira (antiga Rua Direita) com a Rua Dom Hugo. Era cinema mudo e propriedade do Sr. Domingos Tavares. Os filmes vinham do Rio de Janeiro para casa do irmão dele em Cambuquira e de lá enviados para Monsenhor Paulo.   Algum tempo depois foi transferido para o prédio onde hoje é o Supermercado Pereira, na Praça, antes do Supermercado funcionava o Laticínio Campos. Era, também, cinema mudo.Tempos depois seu filho José Tavares montou o cine falado no referido prédio que pertencia ao seu cunhado Sr. Pedro Bellato Filho.

          Sabe-se, que onde está a Padaria do sr. Antonio Figueiredo, na rua Dr. Jefferson, funcionou, também, um cinema no prédio que foi construído pelo sr. Atílio Bellato e que durante muito tempo foi sua loja de ferragens.

          Depois os Srs. Ernesto Baldim e José Martins dos Santos instalaram um cinema no Salão Paroquial e já era com som, isto é cinema falado. Após alguns anos eles venderam o cinema para o sr. Ildeu Morais Coutinho, que veio de Silvianópolis para residir em Monsenhor Paulo.

          Isso tudo para dizer que o jovem paulense de hoje não imagina como iam ao cinema os jovens do século passado. Os filmes chegavam pela "jardineira" do Sr. Pedro Silveira vindos da estação da Rede Mineira de Viação em Campanha. Quando os filmes chegavam, em "rolos" acomodados em latas redondas, era um acontecimento. Cada lata trazia uma parte do filme e a certeza de um divertimento para a noite. O Salão Paroquial era o local e o proprietário do "cinema", era o Ildeu, cunhado do Sr. João Magalhães (João Farmacêutico). O público gostava de ficar nas primeiras filas de cadeiras de madeira, para "ver mais de perto os artistas". Era comum a fita arrebentar-se, porque geralmente antiga e mal conservada. As luzes eram acesas e enquanto o "operador" tentava emendar as pontas do celulóide, os fumantes aproveitavam para sair para a rua e fumar um cigarrinho. Feito o conserto, alertados pelo porteiro, retornavam aos seus lugares para a continuação da projeção. Não raro acontecia de o operador trocar as partes do filme e o expectador ficava sem entender nada e vaiava. Depois do reparo feito a sessão continuava.

          Os filmes eram "Far-west", a torcida para o mocinho era acompanhada de palmas e muita algazarra; romances, filmes de guerra e na Semana Santa a famosa "Vida, paixão e morte de Cristo" era programação certa. O projetor era usado e quando "pifava" gerava a maior expectativa se seria ou não consertado até a hora da sessão começar. Certa feita um espirituoso sugeriu que se desenrolasse o filme da porta da igreja até o Bar Avenida e as pessoas olhassem diretamente da fita. Depois da exibição do filme seguia-se o "seriado" a moda das novelas atuais, cada semana era exibido um capítulo. O Falcão Mascarado foi o seriado de maior sucesso entre os jovens. Hopalong Cassidy, Cisco Kid, Jesse James, eram nossos caubóis preferidos e que alguns filhos de fazendeiros tentavam imitá-los com seus quadrúpedes pelas ruas empoeiradas da Ponte Alta. Com o advento da televisão e suas novelas o cinema de Monsenhor Paulo encerrou suas atividades. Se algum dia volta...só Deus sabe.


                                                                    BAR AVENIDA

                                                                            Ronaldo Américo Baldin - Guaçuí ES - fevereiro/2004

                                           Uma avenida de saudades.           
         Parto de um tempo em que me incluo na história desse lendário ponto de encontro. Outras histórias ali vividas pretendo contar.          
         À partir de do ano de 1962, quando então com oito anos já sabia voltar "troco" para nossos fregueses, comecei a protagonizar parte da vida do querido Bar Avenida. Certa manhã, como era de minha obrigação, levantei-me para efetuar as limpezas no ambiente e qual não foi minha surpresa, vi todo tipo de rabiscos, nas portas, no balcão, na sinuca, nas paredes, na máquina de picolé, no passeio e nas ruas, ainda meio que sem entender, eu lia Brasil Bi-Campeão.

          Bar Avenida, futebol, cúmplice de uma torcida. Ponto de encontro da juventude paulense, que para ali se dirigia, ora para ouvir músicas, ora para discutir futebol, ora para jogar sinuca e principalmente para paquerar as moças que em sua frente faziam avenida. Velho Bar Avenida, testemunha de uma conquista. 1963/1964.          

          Em meio aos burburinhos de uma revolução que acontecia, ouvia, pelo serviço de auto falante, através de um disco de vinil o discurso do Padre Godinho relatando com pesar a morte de um presidente cujo nome acha-se eternizado na escola que mais tarde iria estudar - Kennedy. Bar Avenida, minha história, minha vida. Em sua frente, o banco da praça que leva o nome de seu dono. Em sua frente a Velha Jardineira fazia seu ponto de partida e de chegada. Em sua frente os bancos de madeiras para o conforto de quem ali batia seus papos. Bar Avenida, marco de uma vida.

           Paulenses contemporâneos do Velho Bar certamente lembrar-se-ão dos momentos de lazer que ali passavam, cidade pequena, nenhuma diversão, músicas no auto falante, recados para a namorada, avisos de interesse, era meu irmão passando-se por locutor. Bar Avenida, avenida de nostalgia. 
          
          Nasce o ARPA - Associação Recreativa Paulense - nossos bailes que até então eram realizados no Salão Paroquial, para lá são transferidos. Embora mais distante, o Velho Bar era ponto obrigatório para os primeiros goles encorajadores. Bar Avenida, ponto de partida.          

          A vontade de crescer na vida é mais forte que os apelos do Velho Bar me faziam, para junto dele, sobreviver aos tempos. Parto para a cidade grande em busca de realização profissional, vejo a agonia do meu querido bar aumentar e rapidamente cerrar os olhos. Bar Avenida, quanta saudade me traz.                                                                                Bar Avenida, um cafezinho! ...                                                        

Ronaldo Américo Baldin - Guaçuí - ES - fevereiro de 2004

    


                                                                    ENTERRO DE ANJINHO                                                                             
                                                                    Vera Lúcia Belato Baldim                                         

         Na década de 50, era bastante alto o índice de mortalidade infantil no país. Em nossa querida Monsenhor Paulo não podia ser diferente.

         Quando menos se esperava, uma música bastante triste era ouvida em toda a cidade e o alto-falante da igreja anunciava que o céu ganhara mais um morador. Todos eram convidados para o sepultamento, principalmente a criançada.

Como o fato, infelizmente, era bastante corriqueiro e o horário do enterro muitas vezes impróprio para os adultos envolvidos na lida diária, era muito comum que o acompanhamento fosse feito quase que exclusivamente por crianças, as quais disputavam as alças do “caixãozinho”, no desejo de participar de maneira mais completa, de tal ato de fé e solidariedade.

Para se chegar ao cemitério, descia-se pela Praça da Matriz, entrava-se na Rua Dom Hugo, ganhando a Rua Coronel Zoroastro de Oliveira. Na esquina onde fica o sobrado do Sr. Waldemar Pagani, iniciava-se a subida da Avenida Nossa Senhora Aparecida, hoje Avenida da Paz, no fim da qual localizava-se o cemitério.

Numa ensolarada manhã de quinta-feira, a música triste do alto-falante da igreja convocou novamente a criançada. Mais um anjinho iria integrar a população celeste e lá fomos nós cumprir nosso dever de pequeninos cristãos.

Quando o pequeno séqüito alcançou a esquina da Rua Dom Hugo, Dona Maria Rezende, da janela de sua residência, nos acenou freneticamente. Envolvidos na nobre tarefa de carregar o “caixãozinho”, não entendíamos os motivos de tanta gesticulação. Olhávamos uns para os outros embasbacados, até que o Sr. Geraldo Totti, proprietário da Casa Favorita, atravessou a rua para nos dizer que conduzíamos o caixão pelo lado contrário.

Respeitosamente o desviramos e assim, a atenção de Dona Maria e a boa vontade dos pequenos condutores impediram que o “anjinho” chegasse de costas em sua última morada.

 


      

                                                               Poção dos Pereiras

                                                               Francisco de Paula Belato

 

          Nos anos cinqüenta Monsenhor Paulo não possuía a Praça de Esportes, o Clube dos 100 e nem se conheciam piscinas particulares.
A molecada se virava nos ribeirões para aprender a nadar. A maioria procurava o Poção dos Pereiras.


          O Poção ficava nas terras do Sr. Domingos Pereira, marido de D. Tilica. Nos dias de calor partíamos para lá.

Descíamos a rua do Sr. Américo Silveira, hoje entrada asfaltada da cidade, logo abaixo começava a propriedade do Sr. Domingos, passávamos por baixo
de uma cerca de arame e depois de percorrer uns cem metros de trilha no meio do pasto, saltando os pés de guanxuma amarrados pelos que iam antes,
chegávamos ao poção, nossa piscina natural. Um verdadeiro paraíso.


          A primeira providência era tirar a roupa, toda roupa, todo mundo nu. Clube do Bolinha só meninos e marmanjos, no maior respeito, é claro.

Algumas figurinhas difíceis se destacavam no ambiente: Biíca, o “Falcão Mascarado” mergulhava dos galhos das arvores que margeavam nosso poção.
Tibum dentro d’água e aplausos.

Nivaldo da Tiana Rosa o maior de todos e uma espécie de Xerife. Todos respeitavam.

Luizinho da Sá Luiza, vulgo Tiziu, por ser o menor da turma era o preferido para ser afogado pelos marmanjos.

Outros freqüentadores assíduos: Tonho do Olímpio, Mário do Zoroastro, Luiz Arnaldo e tantos outros.


          O Poção tinha a parte funda, denominada “cabeceira”, na entrada da água que vinha das terras do Sr. Luiz Tavares, onde nadavam e mergulhavam
os marmanjos; na parte rasa onde saia a água, ficavam os menores e aprendizes. Chegar nadando até a cabeceira era a glória.

Quando havia enchente o Poção mudava sua conformação, na parte funda acumulava muito barro e era comum algum mergulhador distraído sair do
mergulho com a cara toda cheia de barro, para alegria dos “assistentes”.

Assim, naquele meio de algazarras e brincadeiras muitos paulenses aprenderam a nadar.


          Logo abaixo do Poção havia uma várzea onde, na época das chuvas, formavam-se poças de água parada que ficavam quente com o sol, eram nossas
piscinas térmicas. Os meninos daquela época parece que eram mais resistentes ou mais protegidos por Deus. Hoje se um garoto destes de computador
e fliperama fizer isso certamente ficará todo empestado.

Nas noites quentes de verão íamos nadar à noite. Levávamos velas que eram acesas e colocadas beirando às margens do nosso Poção, ficava até bonito
e fantasmagórico. E nós lá chapinhando nas águas tépidas.

Era bom demais. Eu, Ivan Furquim, Paulo Silveira, e muitos outros que não me recordo.


          Os tempos foram mudando, o progresso chegando, as oportunidades de lazer aumentando e o nosso Poção ficando de lado. No início dos anos sessenta
saí de Monsenhor Paulo e nunca mais vi o Poção. Nem sei se ainda existe algum sinal dele.
Qualquer hora vou investigar.

 

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                                                              A JARDINEIRA
                                                              
Sebastião Baldim

Todas as manhãs, exceto domingo, às 9h15 a Jardineira cumpria religiosamente seu ritual. Saia de casa conduzida pelo seu proprietário e se dirigia ao bar do Américo onde recolhia a mala de correspondência entregue pelo Correio com destino a Campanha.

Exatamente às 10h, “chovendo chuva ou canivete”, ela partia de seu ponto atrás da Igreja, passava pelos Baldim, fazenda de “seu” Flávio, Limeira, Cervo, Placa, Palmela e galhardamente ultrapassava mais de trinta mata-burros (certa vez contei trinta e dois). Barro, atoleiros, barrancos... uma epopéia. E à tarde, às 5h em ponto, ela retornava com a sua missão cumprida, desfazendo as angústias e as inquietações daqueles que haviam pedido uma encomenda: um saco de açúcar do armazém do Fonseca, um remédio da farmácia do Messias, receitado pelo Dr. Oliveira e ou Dr. Manoel; um sapato, uma agulha, um tecido da loja do Elias Bacha, um saco de cimento do Chico Gama, retratos da Foto Araújo do “seu” Paulino, uma galinha – pois essa Jardineira era pau para toda obra – e trazia de volta correspondências que representavam a esperança, e a curiosidade de todos nós:

-         Quem chegou? Aquele é o fulano?

-         Olha, parece a fulana.

-         Não conheço. Será o sicrano?

Ah! Tínhamos lá nossas bisbilhotices...  

A Jardineira era o elo da cidade com o exterior. Sem ela, a cidade ficava prostrada, sem Correio, sem encomendas, sem ninguém poder sair ou chegar, pois em muitas ocasiões foi o único meio de locomoção daquela Monsenhor Paulo tão querida.

“Oh! jardineira, por que estás tão triste? Foi a camélia que caiu do galho, deu dois suspiros e depois morreu”. Não. Essa nossa Jardineira nunca foi triste e nunca morrerá. Ela faz parte de nossas vidas, de nossas lembranças, de nossa história.

A nossa Jardineira foi o ganha pão de seu fiel proprietário Sr. Pedro Silveira. Com a ajuda dela uma família maravilhosa de onze pessoas nasceu, cresceu e está brilhando em diversos setores profissionais. O Sr. Pedro foi sem dúvida o nosso “pombo-correio”, o mensageiro de todos nós, sempre eficiente e correto. Juiz de futebol, não hesitava marcar um pênalti contra o nosso time no último momento do jogo, mesmo que estivéssemos ganhando por 1x0...

Bom, mas essa é outra história que fica para depois... Agora, é a hora da Jardineira.

 


                                                             O CASTELINHO
                                                             
Transcrito do Jornal "Equipe"

Aqui, olhando para você... Vou te revendo, desde o dia em que foste colocado no ponto central de   nossa praça da Matriz.
É verdade! Naquela remota noite de março de 1960, foi uma apoteose para nós, paulenses, te ver todo resplandecente.

Quantas exclamações a ti foram feitas! Tuas águas e luzes multicolores, teu farol, tua cascatas e teus jardins, davam-nos a impressão de ver príncipes e princesas adentrando tuas salas para um baile de gala.

Quantas juras de amor foram feitas ao redor de ti e – sabe-se lá – quantas confidências ouviste!

Surgiste como uma beleza empolgante para todas as idades e, por que não dizer, serviste de ponto turístico aos visitantes. A pracinha parecia ter uma vida radiante de luz.

Tudo isto permanecerá em nossa memória e será perpetuado para sempre, pois nós crescemos e vivemos contigo. Não vamos esquecer nunca aquela noite malfadada em que um débil mental te destruiu.  Qual não foi nossa desilusão ao acordarmos e te ver aí, todo destroçado. Condenaram-te ao abandono e à destruição. Nossas crianças hoje não têm a oportunidade de ver-te aceso e cheio de vida.

E como se parte de nós tivesse sido destruída.  
Assim, nem sei se reconstituímos a antiguidade nas páginas de nossa história. 
Neste momento sei apenas que um profundo desamparo me invade. Chego a te comparar com os castelos dos homens, aqueles
riados na alma de cada um. Os sonhos, as ambições, os ideais... Tudo aquilo que se perde e, sem alento, nunca mais se reconstrói.

                             Perco-me no efêmero das coisas... Aqui, olhando e não te vendo.

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                                                                 SEMANA SANTA

                                                          Adaptação: Francisco de Paula Belato

 

 

 

     Antigamente na sexta-feira santa tudo se entristecia, porque há séculos o filho de Deus, feito homem, deu sua vida para salvar a humanidade.

     As imagens da igreja se preservavam aos olhos dos fiéis, cobrindo-se de panos roxos. Havia tristeza, mesmo para as crianças que não compreendiam os fatos narrados pelos padres em seus sermões. Conversava-se o mínimo possível e em voz baixa. Comércio fechado, dia de jejum e abstinência.

     Os sinos e campainhas se emudeciam e só o som forte e soturno das matracas - instrumento formado por uma tábua com argolas de ferro que ao ser agitada batem na tábua a que se acham presas e produzem uma série rápida de sons - ecoava nas celebrações e procissões. Tudo em respeito ao que ia morrer, novamente, para salvar os homens e suas almas, perdoando pecados e erros. Às três horas da tarde uma multidão de povo apinhava na Matriz para ouvir o Sermão das Sete Palavras. À noite a cerimônia do Descimento da Cruz com novo sermão do querido Padre Fernando. Depois a procissão do enterro momento de grande fé e aguardado com ansiedade. Nos ouvidos ainda ecoam os sons lamurientos da banda de música regida pelo maestro Zequinha Silveira, que tocava músicas fúnebres e aquela fila imensa de fiéis, com velas acesas nas mãos, acompanhava o andor e o padre Fernando que caminhava lentamente sob a esteira de prata da lua cheia de uma bela noite outonal. As figuras representativas desfilavam sob a curiosidade das crianças que eram assustadas pelas batidas do centurião, encarnado na pessoa do Sr. Américo Silveira. Madalena representada por Pulchéria Caovila; João Evangelista o jovem Homero Baldim; Arimatéia e Nicodemus os senhores José do Patrocínio Silveira e Pedro Oliveira. A figura de Verônica, desempenhada pela senhorita Irene Marques da Cunha, que, desenrolando lentamente um véu com a reprodução do rosto ensanguentado de Cristo cantava com voz lúgubre e bem timbrada a plangente melodia repassada de infinita tristeza e de agoniada ternura:  “O vos omnes qui transitis per viam, attendite et videte si est dolor sicut dolor meus”, traduzindo “Ó vós todos, que passais pelo caminho, olhai e vede se há dor igual à minha dor”.

     Ao povo da cidade se juntava o pessoal vindo das áreas rurais com suas famílias em roupas domingueiras, hospedando-se nas casas de parentes. 
As emissoras de rádio só tocavam músicas clássicas e orquestradas.
Os caminhões que buscavam leite nas fazendas não saiam das garagens.
Os fazendeiros doavam o leite para a população e as crianças saiam da cama de madrugada e se dirigiam as fazendas com latas nas mãos para buscar o leite. Era dia de doce de leite e muito arroz doce.

     Sábado da Aleluia, dia de malhar o Judas, um boneco de pano recheado de bombinhas era confeccionado e colocado em um poste de madeira onde era malhado e queimado, geralmente na madrugada de sábado para domingo de Páscoa, quando a moçada aproveitava para fazer arruaças pela cidade, tudo de acordo com o figurino de uma cidadezinha interiorana.

     Hoje, tempos coloridos das novelas de televisão, o assunto não desperta interessante, mas reaviva a memória já cansada, rememorando tempos que não voltam e vozes que já não falam, mas recordam de um momento inesquecível vivido na pureza da infância em Monsenhor Paulo.

     Nos tempos modernos as famílias aproveitam a folga para temporada à beira-mar, viagens de turismo ou visitar parentes distantes. Não se respeita mais o silêncio devido e tudo é permitido, desde barzinhos e casas noturnas com som nas alturas até altas horas.
                 
     Quem sabe, a infância não exista justamente para provarmos um pouco da saudade?

 


                                                          

                                                                           O BECO ESCURO

Quem foi criança em Monsenhor Paulo, nas décadas de 50/60, há de se lembrar, com certeza, do famoso “Beco Escuro”. Ligando a Praça da Matriz à Rua Coronel Zoroastro de Oliveira, a pequena rua, ou melhor, a travessa em declive tinha poucas casas. Se possuía nome oficial, e certamente possuía, todos desconheciam pois não havia quem se referisse ao local se não como o “Beco Escuro”. A iluminação precária da Companhia Sul Mineira de Eletricidade, somada à imaginação fértil da criançada, criavam o ambiente propício ao aparecimento de várias lendas. Durante o dia, o Beco era um lugar como outro qualquer, por onde passávamos, sem temor, nas andanças e brincadeiras pelas ruas, tão comuns naquela época! Bastava escurecer para que se tornasse local “mal-assombrado”, onde, diziam, um sapatinho de cristal corria atrás de quem se atrevesse por lá passar. Os garotos mais velhos faziam apostas para saber quem era realmente corajoso. Desciam ou subiam o Beco correndo, com muito medo, diga-se de passagem, para depois se juntarem nos bancos da praça, onde faziam comentários sobre a aventura. Cada um narrava sua experiência com o sapatinho de cristal, acrescentando detalhes que deixavam os menores aterrorizados. Mas, para mim, o Beco tinha um sabor especial. Lá morava meu irmão mais velho, José Lázaro, carinhosamente apelidado Juju. Gerente do então Banco da Lavoura, a esposa Dona Glória, professora competente e estimadíssima, com seus quatro filhos: Tânia, Beto, Donizete e Telma, formavam uma bela família. Nas tardes de Sábado, Dona Nair, minha mãe, autorizava-me a ir brincar com os sobrinhos, que tinham quase a minha idade. Passávamos horas e horas, lendo histórias, ouvindo música ou distraídos com jogos educativos. E tudo isso, com direito a um gostoso lanche, preparado por Tereza, negra forte e despachada, perfeitamente integrada à família, pois todos a conheciam como “Tereza do Ju”. Tudo estava muito bom, porém, mal começava anoitecer, as sombras se acentuando sobre o Beco, era hora de voltar para casa. Não arriscava nem um pouco ter de voltar correndo, com um sapatinho de cristal no meu encalço. Hoje, quando passo por lá, a caminho da igreja, observo com saudades a casa que permanece tal e qual era naquela época. Mas, os moradores se mudaram, as crianças cresceram e constituíram suas próprias famílias. Em minha mente, ainda ecoam risos de crianças despreocupadas, sons de velhas cantigas de roda, retalhos de histórias infantis… O Beco não tem mais aquele “quê” de mistério e o sapatinho de cristal tornou-se apenas mais uma de minhas doces lembranças de uma infância muito, muito feliz.

Vera Lúcia Belato Baldim Nepomuceno, 29/11/2004

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                                                                        A Garota de jeans
                                                                        Franbel

Tarde abafada em Belo Horizonte, mês de agosto, umidade do ar 22 graus próxima de clima desértico.
Voltando para casa na Cristiano Machado cheia de obras, transito infernal, resolvo parar no Posto X para abastecer e tomar uma água que ninguém e de ferro. Estaciono ao lado da bomba e o frentista atende solicito.
Completa o tanque, por favor, e, verifique óleo e água.

Enquanto isso vejo um carro estaciona na área de conveniências, e como chamam a lanchonete e outros penduricalhos que os postos de gasolina montam para aumentar o faturamento. No meu tempo posto de gasolina era posto de gasolina, armazém era armazém e farmácia era farmácia. Mas voltemos ao carro que acaba de estacionar. Dele descem uma senhora de meia idade, bonita, bem vestida e uma garota de jeans, teria seus 20 e poucos anos. Corpo esbelto, malhado de academia talvez e barriguinha de fora...muito sensual mesmo. Entram na lanchonete. Voltam pouco depois, mãe e filha ou sobrinha, neta não pode ser a diferença de idade e pouca para isso. Talvez mãe e filha voltando de uma estafante busca por um local para festa de formatura ou coisa assim.

Na verdade a garota é linda e sensual. Como escreveu o poeta Vinicius de Morais “quanto mais velho nos ficamos, mas lindas as garotas ficam”, certíssimo o poeta que deve estar no purgatório, sim porque no inferno tenho certeza que não esta e o céu e muito enfadonho para ele. Deve estar lá em companhia de Ulisses Guimarães, meu amigo Sandy, minha amiga Jane e tanta gente animada que passou por aqui e se foi. “O senhor vai pagar com dinheiro ou cartão” era o frentista me tirando dos devaneios. Entrego o cartão e vejo a garota de jeans sumir na Cristiano Machado, barulhenta, cheia de obras e transito infernal.

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                                                                      Atrás do clube

ARPA – Associação Recreativa Paulense – para quem ainda se lembra dele nos velhos tempos.

Vi  sua construção, uma coisa imensa aos meus olhos de criança. Ficava fascinado!

Foi ali naquele clube, localizado em frente à casa de meus pais, que “ouvi” muitos bailes (durma-se com um barulho daqueles!).

Ficávamos no alpendre de casa vendo o movimento de pessoas e de carros. Passavam por ali algumas mulheres bem produzidas e muitos homens, nem tão bem acabados.

A melhor parte era esperar pelo final do baile para vermos as brigas que quase sempre aconteciam. Algumas  inesquecíveis.

Minha casa era como se fosse a última parada das moças, amigas de minhas irmãs, para um retoque na maquiagem, uma ajeitadinha nos cabelos, uma passadinha de batom, um xixizinho…

“Tia Jane” era uma dessas amigas. Lembro-me bem dela sempre alegre! Com tantas mulheres a casa ficava mais cheirosa pela variedade de perfumes. E lá iam minhas irmãs para o baile (se o pai deixasse).

Na manhã seguinte costumávamos andar ao redor do clube procurando coisas, porque sempre alguém perdia uma moeda, uma correntinha,  mas, na maioria das vezes, achávamos copos, garrafas, absorventes, camisinhas e outras coisas mais.

As melhores lembranças são as brincadeiras que aconteciam atrás do ARPA: futebol, bolinha de gude, arco e flecha, pipa, Tarzã, polícia e ladrão e outras.

Era um terreno grande de terra batida, barrancos e muitas árvores. Foi ali que fizemos o nosso campinho, que tinha somente um gol com traves de bambu. Lógico que não possuía rede.

O gol foi colocado estrategicamente num local que, se a bola passasse por ele, ia parar no barranco (economia de gandula!).

Ali juntavam primos, irmãos, colegas de escola. Tinha dia que ficava uma turma literalmente “no barranco” aguardando a vez para jogar.

Só tínhamos que tomar cuidado com o saudoso Sr. José Martins, que não sei bem ao certo, parece que zelava pelo clube e adjacências. Era ele aparecer e a molecada sumia num piscar de olhos. Levamos várias broncas dele porque ora quebrávamos vidros, ora quebrávamos telhas, na tentativa de recuperar a bola, devido ao “pé torto” de alguns atletas.

Um dia aquela trave de bambu serviu para outra coisa. Um primo fez uma falta desleal em mim que me deixou furioso. Foi a conta de me levantar, sacudir a poeira, arrancar uma delas e sair dando bordoada sem parar. Ah se eu acerto!

Acalmados os ânimos, a trave foi recolocada e o jogo reiniciado, sem mágoa nem rancor, como são as brigas de criança.

Brincávamos ali quase todos os dias e, quase sempre voltávamos para casa ralados, roxos e quase  estropiados. Mas não desistíamos nunca. No outro dia estávamos todos lá de novo.

Hoje não há barranco, primos, traves e nem árvores. O terreno foi aplainado e cercado por muros e grades.

Atualmente, quando vou visitar Monsenhor Paulo, sempre dou um jeitinho de ir lá atrás do ARPA. É tão perto! Ele continua em frente à casa de meu pai (ou é a casa de meu pai  que continua em frente ao clube?).

Aí, vem todas essas lembranças que fizeram parte de minha infância.

Às vezes levo meu filho lá também e mostro onde ficava o gol, o barranco, a árvore grande…

Parece que até ouço o Sr. José Martins dando bronca na gente!

   - Você ouviu isso, Raí?

   - Não pai, sossegue. São só suas lembranças!

                                                                                   Magno A. Baldim 03/02– /2009

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